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Descaso institucional: STF e a criminalização da homofobia e da transfobia


No dia 13 de fevereiro, o STF julgará duas ações que tem como fim criminalizar todas as formas de homofobia e transfobia no Brasil. Os pedidos de ambas ações são praticamente os mesmos, diferenciando apenas os mecanismos da Lei utilizados para manifestação. Para além da criminalização, as petições realizadas à Suprema Corte pedem que todas as formas de homofobia e transfobia sejam tratadas como crime de racismo. Parece estranho num primeiro momento, mas a lógica não é difícil de entender.


A primeira ação, aberta em 2012 pela Associação Brasileira de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Intersexos (ABGLT), se trata de um Mandato de Injunção (MI), enquanto a outra ação, aberta em 2013 pelo Partido Popular Socialista (PPS), compõe uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Os recursos legais possuem o mesmo objetivo: sanar uma omissão inconstitucional por parte de algum dos poderes. No caso das ações, é apontado que a não criminalização da LGBTQfobia impede a manutenção da cidadania e dos direitos fundamentais às livres orientações sexuais e identidades de gênero. Portanto, o gênero da omissão se manifesta quando o Congresso, supostamente, impede a criminalização das formas de homofobia e transfobia.


Tomo a liberdade de dizer que as atuações (e omissões) do Congresso muitas vezes causam bastante desconforto, principalmente quando o assunto é pauta identitária de alguma minoria social. Opiniões à parte, as petições também apontam tal desconforto com o Congresso, acusando os parlamentares de má vontade em não julgar as medidas de criminalização já existentes a fim de “procrastinar a decisão” como forma de rejeição. Um documento anexado ao processo da ADO, indica uma série de medidas que foram ignoradas pelo Congresso até então.


As ações também sugerem que há seletividade punitiva, no sentido de que a resposta geral do Poder Legislativo para opressões contra minorias é, justamente, a criminalização, como ocorreu com a Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006), com a Criminalização da Discriminação contra Pessoas com HIV (Lei n.º 12.984/2014) e, mais recentemente, a criminalização específica do Feminicídio (Lei n.º 13.104/2015). Então, nas ações, questiona-se: por que há relutância em utilizar do mecanismo da criminalização somente quando se discute sobre punir aqueles que praticam as formas de homofobia e transfobia? Certamente não podemos afirmar de maneira alguma que não houve esta mesma relutância nos casos de criminalização listados, porém, ocorre uma hierarquização de opressões por meio de uma discriminação institucional quando o Congresso evita discutir justamente as formas de homofobia e transfobia, o que é um problema.


Conhecendo um pouco dos mecanismos legais que justificam a criminalização, resta saber: se há má vontade do congresso em entrar no debate, como deve ser feito então? Caso o STF aceite as ações, pode-se definir que o Congresso elabore e inicie os trâmites para aplicação da lei ou, até mesmo, que a própria Corte legisle e aplique a criminalização. Contudo, surge outra questão: como a criminalização deve ocorrer?


Inicialmente, as petições afirmam que homofobia e transfobia devem ser julgadas como crime de racismo. Em um primeiro momento, parece que há uma sugestão de semelhança na forma como as discriminações acontecem, mas longe disso. Surge então o termo de racismo social, adotado pelo STF durante o caso Ellwanger, que trata como racismo toda ideologia que pregue inferioridade de um grupo relativamente a outro. Caso seja interpretado como insuficiente as justificativas para aplicar as formas de homofobia e transfobia como crimes de racismo, as ações levantam também as discriminações como atentatórias a direitos fundamentais de liberdade e igualdade. Isso implica na obrigação do Estado de proteger de forma eficiente a população LGBTQ, o que não acontece, o que reforça a necessidade de atuação legislativa.


Defendo que aproveitar os mecanismos do crime de racismo seria muito importante, pois a própria lei foi pensada justamente nas causas e efeitos da discriminação de um determinado grupo. O Brasil é o país que mais assassina LGBTQs no mundo. Muitos não têm noção de como é isso, mas dá para imaginar com um leve esforço. Em um caso bem recente, uma travesti chamada Quelly da Silva foi assassinada e teve seu coração arrancado por um homem que, depois de confessar o crime, disse que ela era “o demônio”. Em outro caso, uma travesti de 15 anos levou pedradas e teve oito dentes quebrados. Não ficarei listando atentados horrendos, mas, para reforçar as percepções sobre esse cenário, foi constatado que a expectativa de vida de travestis e transexuais no Brasil é de 35 anos. Consegue imaginar sua vida se, a cada momento, você tivesse medo de se expressar em público pelo risco de sofrer algum tipo de opressão? Imagine como seria se viver sua vida tranquilamente significasse ser ameaçado pela “ordem” das coisas o tempo todo.


Infelizmente, a criminalização das formas de homofobia e transfobia não são suficientes para resolver o problema. Vivemos hoje uma banalização do mal, que se confirma em todos os exemplos possíveis de agressões e discriminações que são normalizadas sem nenhum remorso. É uma questão tão cotidiana que temos até exemplo de casos onde heterossexuais sofreram ataques homofóbicos por simplesmente estarem se expressando com alguém de maneira vista como homoafetiva. Daí que surge a necessidade da criminalização: se o ódio é banal, o Estado reconhece-lo como crime é o primeiro passo para que a mudança seja feita e que as coisas melhorem para todos.


Por fim, peço a todos, principalmente àqueles que mais sofrem, que chamem pela esperança. Vivemos em tempos difíceis, mas isso não significa que é melhor desistir. Cada vez mais a consciência vem surgindo e os caminhos para uma sociedade mais justa vão se abrindo. A jornada é longa e devemos persistir com a esperança de que o amor sempre vencerá.

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